quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Rei da Vela (Oswald de Andrade)



Escrita em 1933 e publicada em 1937, o Rei da Vela constitui-se no texto teatral mais importante de Oswald de Andrade. A peça demorou trinta anos para ser apresentada em São Paulo, pelo Grupo Oficina, sob a direção de José Carlos Martinez Correia; a encenação marcou época na história do teatro brasileiro.
O fragmento selecionado pertence ao primeiro ato, dos três que compõem a peça. Ele contém traços que nos permitem situar e caracterizar a obra como um todo. As personagens têm os nomes de dois famosos amantes da Idade Média: Abelardo e Heloísa. Ele, um teólogo francês de século XII, ela, sobrinha de um sacerdote. Pouco tem a ver, portanto, com as personagens oswaldianas. Nesse sentido, o autor usa os nomes de modo paródico, uma vez que Abelardo I se une a Heloísa por puro interesse: é um agiota, que vive da exploração dos outros, cujo devedores se apresentam, na peça, dentro de uma jaula. Heloísa de Lesbos pertence à aristocracia rural brasileira, falida e em decadência. Deste modo, o sentido romântico do texto original fica totalmente subvertido pela moderna interpretação de Oswaldo de Andrade.
Abelardo I é um representante da burguesia ascendente da época. Seu oportunismo, aliado a crise da Bolsa de Valores de Nova York, de 1929, permite-lhe todo tipo de especulação: com o café, com a indústria, etc. Sua caracterização como o “Rei da Vela” é extremamente irônica e significativa: ele fabrica e vende velas, pois “as empresas elétricas fecham com a crise. Ninguém mais pode pagar o preço da luz”. Também é costume popular colocar uma vela na mão de cada defunto, assim Abelardo I “herda um tostão de cada morto nacional”. Abelardo torna-se então o símbolo da exportação, a custa da pobreza e das superstições populares.como personagem, ele também denuncia a invasão do capital estrangeiro; daí a irônica consideração sobre “a chave milagrosa da fortuna, uma chave yale”.
Heloísa representa a ruína da classe fazendeira. Seu pai, coronel latifundiário, vai a falência, num retrato em que predomina a perversão e o vício, símbolo de uma classe em decadência. A aliança de Abelardo e Heloísa pode, assim, representar a fusão de duas classes sociais corruptas pelo sistema capitalista.
Uma terceira personagem vem a completar o quadro social de Brasil da época: Mr. Jones, que simboliza o capital americano: sua presença revela um país endividado: “os ingleses e americanos temem por nós. Estamos ligados ao destino deles. Devemos tudo o que temos e o que não temos. Hipotecamos palmeiras... quedas de águas. Cardeais!”
O Rei da Vela, obra representativa da década de 30, marca uma época de preocupações e compromissos sociais.




Dramaturgia

Dramaturgia pode ser entendida como uma noção chave da cultura e da prática teatral no ocidente, tanto do ponto de vista do palco quanto do ponto de vista da platéia. Juntamente com as noções de espetáculo e representação, a dramaturgia forma uma espécie de tripé estruturante da própria natureza do teatro e das formas narrativas ficcionais dos espetáculos realizados ao vivo diante de um grupo de espectadores. As artes cênicas, incluindo-se aí as artes coreográficas de uma maneira geral, necessitam, em maior ou em menor escala, se estabelecer segundo critérios bastante diversificados expressos segundo esse tripé.
É inevitável que, contemporaneamente, quando práticos da cena ou especialistas dos estudos teatrais ou coreográficos se expressem acerca de seus processos criativos e/ou dramatúrgicos, nem sempre haja uma coincidência de significados. Entretanto, os três termos — dramaturgia, espetáculo, representação — são, sistematicamente, recorrentes, o que reflete referências conceituais que problematizam procedimentos criativos distintos. Esses procedimentos estão em permanente atualização com a capacidade cognitiva do tecido social de onde essas mesmas produções se originam e onde, conseqüentemente serão recepcionadas.
De maneira geral, empregamos o termo dramaturgia para nos referirmos à produção de um autor teatral — a dramaturgia de Ibsen, a dramaturgia de Lope de Vega, a dramaturgia brechtiana, etc. —. Ainda de forma genérica, emprega-se também o termo dramaturgia na tentativa de definir um certo conjunto de obras, seja por uma periodicidade, ainda que arbitrária — dramaturgia clássica, dramaturgia elisabetana, dramaturgia romântica, etc. —, seja por afinidades devidas aos traços formais ou temáticos — uma dramaturgia do absurdo, uma dramaturgia erótica, uma dramaturgia espírita, etc —. Há, ainda hoje, aquela distinção que sempre marcou a atividade teatral — uma dramaturgia amadora e uma dramaturgia profissional — ou também em termos de gênero ou público alvo — uma dramaturgia feminina ou uma dramaturgia para infância e adolescência —. Desta forma, já se estabelece a diferença entre o drama e o theatre conforme a visão dos ingleses. O primeiro é o texto, a composição dramatúrgica, a peça teatral, o outro é a sua realização, a transposição daquele nesse pela operação da encenação.
Uma outra acepção do emprego de dramaturgia pode ser atribuída à G. E. Lessing que durante os anos de 1767 a 1768 redigiu folhetins semanais que deram origem à sua obra intitulada Dramaturgia de Hamburgo. Nas palavras do próprio autor de Emília Galoti em abril de 1767, “esta dramaturgia tem por objetivo manter um registro crítico de todas as peças levadas à cena e acompanhar todos os passos que a arte, tanto do poeta como do ator irá dar”. (LESSING, 2005, 29). Não sem marcar, de maneira indelével, a prática teatral ocidental circunscrevendo, inicialmente, a função que depois se vulgarizaria como dramaturg, ou dramaturgista, entre nós, Lessing atribui um sentido outro a sua produção de crítico, comentarista, conselheiro dramatúrgico ou consultor teatral. De toda forma, o foco do trabalho teatral no século XVIII é condicionado pela dramaturgia, pelo repertório de textos. Textos esses que vão inclusive desenhando novas maneiras de atuar junto aos atores e problematizando a condição dos gêneros dramáticos.

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